silêncio
Não imaginávamos que assim se deitava em nós o silêncio (ou nós nele), ele paradoxalmente resistente, ativo e, afinal, uma metáfora para a sua própria inexistência - ninguém ouve e, no entanto, o silêncio tudo permite ouvir - nos retirávamos para um espaço de aleatoriedade sonora consentida. Não apagamos, não podemos apagar de nós o som da vida.
Ouvimo-nos.
Se mesmo dentro de uma câmara especial não há do silêncio um sinal definitivo, de que falamos quando pedimos silêncio, quando nos remetemos ao silêncio? Pois claro, de um locus amoenus a partir do qual o homem revive e experimenta algo novo e disponivelmente aberto. De uma interpretação afetuosa do lugar onde nos imaginamos e onde nos queremos.
Abraçar o silêncio é cultivar a máquina primeira para a sensibilidade, a força que nasce em negativo, capaz de galgar paredes e portas e ultrapassar o vidro para o “lá dentro” da cápsula.
É necessário, então, acordar o silêncio em nós, ressuscitá-lo da voz, do que for escrito e tocado, permitindo-lhe ser sentido-e-semente para toda a significação do universo. Um silêncio munido de preciosa reivindicação: a de querer um recomeço para o mundo.
(depois de " 4'34'' Sobre o silêncio e da sua entropia a partir de John Cage" de Mário Azevedo)